Olá, Avoantes!
Semana passada, a Avoante Editora, nas figuras de sua administradora e de seu editor, foi convidada ao evento de lançamento da Exposição “Mino por Inteiro”. A exposição faz parte de uma série de ações realizadas pela J. Macedo, em comemoração aos 85 anos da instituição e 80 do artista, e procura fazer um recorte de todas as “facetas” do cearense: como ilustrador, pintor, quadrinista, poeta, muralista, propagandista, editor etc. Dividida em duas salas, uma “preto e branco” e outra “colorida”, réplicas e originais criam uma linha do tempo divertida que são “a ponta do iceberg” de toda a imensidão que é a obra e a persona do Mino, além da materialização de seu personagem mais lembrado: Capitão Rapadura.
Hermínio Macêdo Castelo Branco teve Ziraldo como aquele que “descobriu” seu pseudônimo artístico.
“Fui no Pasquim mostrar meu trabalho ao Ziraldo e, depois que disse meu nome, ele falou ‘Grande demais! Não tem outro menor?’ Eu comentei que em casa me chamavam de Mino, daí ele sorriu ‘Aí sim! Muito melhor! Assine como Mino que vai lhe levar longe’. E foi assim desde então” - comentou certa vez essa história (que poderá mudar quando contar novamente).
Nome, por sinal, que se tornou sua marca. Vindo da prolífica cena artística de 1970 - como boa parte de seus amigos de profissão, como o já citado Ziraldo, Jaguar, Millôr - com um trabalho que transcende qualquer tempo, é um dos artistas que melhor representam o Ceará em sua forma, cores e traços: toda a fluidez misturada com um humor “menino” e inteligente e um multicolorido intenso e vivo, que viaja pelo cubismo e pelo céu anil e o brilhante sol amarelo da terra.
A Exposição Ocupação Mino por Inteiro é um daqueles acontecimentos de arte que devem ser visitados, celebrados, mas, principalmente, estudados. Em sua imensa obra, há lições nas profundezas do ser humano Mino-Hermínio, gente que nem a gente, que tem defeitos, sonhos, dúvidas e muito amor pela vida.
Exposição Mino Por Inteiro
7 de setembro a 3 de novembro/2024
Local: Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura
Museu da Cultura Cearense - Fortaleza-CE
Entrada Gratuita
QUA a SEX: 09h às 18h com entrada até às 17:30h
SAB e DOM: 13h às 18h com entrada até às 17:30h
MINO E O HQ MIX: O QUE UMA COISA TEM A VER COM A OUTRA - Palavra do Editor
Conheci o Mino pessoalmente mais ou menos por 2012-2013, quando dos trabalhos envolvendo a edição de 40 anos do Capitão Rapadura (publicada pelo Armazém da Cultura e, acredito, com pouquíssimas cópias disponíveis). Eu fazia parte da comissão editorial adjunta do livro, liderada à época pelo Fórum de Quadrinhos do Ceará, que tinha, entre seus atuantes membros, JJ Marreiro e Fernando Lima, que eram mais entendidos disso do que eu e que me ensinaram mais do que eu esperava.
Daniel Brandão arregimentou o encontro e eu estava tão nervoso que só ousava falar o no “Mino” com o epíteto “mestre” - fato que depois Daniel me chamou atenção, pois eu mesmo nem percebera o “chiste”. O nervosismo se justificava porque eu já tinha contato com a obra do Mino, afinal, ela estava em todos os cantos: de prédios públicos a revistas em quadrinhos, de cafeterias à sereinha símbolo da Verdes Mares, do plim-plim da Globo às tiras de jornal. Mino era quase um ser mítico que me pegava “de assalto” onde quer que eu fosse. Eu, que sempre odiei voar, sempre me sinto seguro quando sou recebido por um de seus quadros no aeroporto de Fortaleza. “Graças a Deus, estou em casa” - sussurro para a arte do mestre, arauto de minha segurança. Mino é sinônimo de Ceará pra mim e o Ceará é minha casa.
Mino é um artista cearense por excelência. Apesar de seu renome nacional, é principalmente conhecido em sua terra - mesmo por aqueles que reconhecem sua arte, mas não a pessoa - arrisco dizer, conhecido essencialmente em sua terra.
Quando comecei a visitar os eventos de quadrinhos fora do estado, passei a me incomodar quando alguém não sabia quem era o Capitão Rapadura ou mesmo o Mino - há uma importante editora com esse nome, mas a inspiração dela não é o artista cearense. Abusado, eu questionava o porquê disso.
Comentei certa vez com Daniel sobre esse meu sentimento, de que queria ver o Mino no mundo, tomando todos os museus do Brasil, ganhando prêmios por sua carreira, dando palestras e mais palestras sobre o Capitão Rapadura, sobre suas pinturas, sobre suas raízes no marketing. Brandão, muito sábio, só me perguntou “E ele precisa?” - um dos vários socos que recebo dos velhinhos vez ou outra.
Mino é uma alma divertida. Não há uma vez que eu encontre com ele que não saia leve e sorridente. Suas histórias - às vezes repetidas com leves mudanças, às vezes permeando/metaforizando seus grandes sonhos - deixam qualquer um sentido que teve horas agradáveis demais com uma grande pessoa. Ele realmente poderia ter o mundo, mas parece se sentir bem à vontade com o mundo que construiu ao redor de si. Às vezes esse mundo se expande, abre janelas para outros lugares, mas retorna para casa, para as telas de pintura que são seu grande prazer, para as conversas com os amigos que são o candeeiro de seus dias escuros.
Mino é cheio de quiméricos planos, alguns que chegou a fazer, e, durante muito tempo, se moveu como pôde (e sabia) para realizá-los - hoje prefere deixar sementes pelo caminho que ficar industrializando a colheita, esperando que estes estejam em algum lugar da linha do tempo que veio antes dele e que continuará depois - e isso não é a falta de ambição de um homem pequeno, pelo contrário, é a segurança de um grande homem, que entende que controlar as coisas só as afasta. É hora do mundo procurar o Mino. Ele está esperando em seu ateliê com uma piada guardada no sorriso largo e uma xícara de café para as visitas.
Enfim, recentemente a lista de indicados ao HQ Mix, um dos mais importantes prêmios dos quadrinhos no Brasil, foi levada a público e houve algum burburinho entre autorias e especialistas sobre a não presença de figuras notórias do quadrinho ou de poucas publicações fora da cena sudestina. No geral, boa parte dessas conversas são tão tradicionais quanto o próprio HQ Mix, por isso, quero tentar tomar outra abordagem.
Antes, acho importante dizer que qualquer premiação envolve muitos elementos - alguns, inclusive, bem “circunstanciais” - então, não quero aqui julgar os parâmetros que fizeram obra X entrar e obra Y não.
No entanto, mesmo em diferentes mercados, os “jogos políticos” de uma premiação costumam ser mais ou menos iguais - e tomo meu discurso a partir da natureza geográfica desses.
Ao meu entender, é muito mais fácil pender positivamente para quem está perto, do que para quem está longe, para um grupo de pessoas e artistas cuja produção a pessoa votante acompanha de forma espacialmente próxima e com a qual ela tem contato todo o tempo e discussões e conversas e conhecer as pessoas que fazem aquilo do que com uma obra que, por mais interessante que seja, foi enviada num PDF por uma galera que, se ela já ouviu falar, foi de forma muito breve ou com quem “topou” quase sem querer num evento. É aquela “lei” da presença: se uma autoria está constantemente ali, é mais fácil ser indicada, talvez seu nome/obra tenha sido levado em consideração antes mesmo de sua inscrição. Por mais questionável que tal posicionamento venha a ser, não quero fazer juízo de valor dele. Para mim, é pura lógica humana. Ainda mais num país com uma quantidade abissal de produção e variedade, numa época em que somos ansiosamente bombardeados com informações, tarefas e posicionamentos, acho compreensível que quem está mais próximo da pessoa votante tenha mais chances. Só isso.
Daí eu volto ao Mino: o Ceará o basta. Claro que ele é mais uma exceção que uma regra (só há um Mino), mas seu posicionamento evidencia uma lição: devemos nos preocupar e nos importar uns com os outros antes de olharmos para fora de casa. Ter um HQ Mix na estante é um marco, mas… não seria interessante, ou até natural, trilhar um caminho de premiações regionais (Fortaleza > Ceará > Nordeste) antes de uma premiação nacional? Não pareceria mais empolgante ser relevante em seu “bairro” antes de ser relevante ao país?
Não pretendo contestar o HQ Mix e sua importância, mas trazer a questão de que ele não deveria ser o único, ou melhor, um dos poucos cuja importância é gritante. Pelo contrário: é preciso mais premiações pelo país, inclusive, de forma setorizada, trazendo um olhar para quem produz dentro de seu cercado e não forçando determinada artista ou autoria ter de trazer um prêmio de “fora” para ser reconhecida “dentro”. Um suposto “Prêmio Mino” de artes visuais deveria ser tão concorrido e desejado quanto um suposto “Prêmio Belchior de Música” ou um “Troféu Luis Sá de Quadrinhos” ou uma “Copa São Luiz de Cinema”, premiações que poderiam existir e que movimentariam não somente a comunidade de arte local, mas toda a sociedade em que ela está - são formas de resgatar nosso Passado para mostrar nosso Presente e trilhar nosso Futuro.
Uma das missões da Avoante é fazer essa jornada. Continuaremos inscrevendo nossas obras e autorias em HQ Mix, Jabuti e outros - é nosso compromisso com essas pessoas - mas também trabalharemos para que a “cena local” se veja como “mercado” e que reconheça a si e a seus autores. Por isso pensamos em eventos, firmamos parcerias, estudamos possibilidades. Crescer no Ceará é crescer com o Ceará e o inverso disso parece ilógico para a gente.
Engraçado que há alguns anos o próprio Mino fez um manifesto chamado “De costas para nós mesmos” em que ele evidenciava essa realidade: de ficarmos mais interessados em olhar para o que vinha do mar que esquecemos as belezas de nossa terra. Como disse antes, Mino sempre nos traz uma lição e, se continuarmos olhando para outras pessoas daqui, desconfio que descobriremos muito mais.
“Primeiro, levar o Ceará para o cearense”
Mino
Que texto inspirador! A representatividade de Mino pra se inspirar e a importância do reconhecimento e valorização no nossa cena regional, um é sinônimo de outro. Simbora!